sábado, 7 de março de 2009

1ª AULA - AÇÃO PENAL

AÇÃO:
Do latim actio, onis, de agere: agir. O emprego do verbo agere, no sentido de agir, deve-se ao fato de que, no direito romano arcaico, o procedimento judicial exigia a reprodução mímica dos fatos (legis actio).
Previsão Legal: Artigos 100 a 106 do CPB; e Art. 24 e seguintes, do CPP.

AUTOTUTELA
A vingança privada constituiu o principal instrumento de composição de conflitos dos povos antigos. Antes de existir um Estado organizado, com o monopólio da jurisdição, o poder punitivo se encontrava difundido entre os particulares, que exerciam a justiça com as próprias mãos. Não havia um poder que centralizasse o direito/dever de punir.

O ofensor não era o único a ser punido. Sua família, seus amigos, outros membros de seu clã, enfim, todas as pessoas de seu círculo de convivência poderiam acabar sendo alvo da vingança privada. Não havia limites para a vingança privada.

Em um segundo momento, a vingança privada passou a atingir apenas o infrator, na proporção da conduta por ele perpetrada. O individuo que furtava, por exemplo, poderia ter suas mãos decepadas. A pena para o assassinato era a morte. Em virtude disso, o Direito Penal da época caracterizava pelo bordão "olho por olho, dente por dente".

Em segundo momento, as partes (ofendido/ofensor) passaram a realizar a autocomposição; espécie de acordo realizado sem a presença do Estado em que, o ofendido exigia a prestação obrigacional em virtude do prejuízo advindo com o crime. Ainda nessa fase, havia muitas injustiças porque aquele que detinha o poder (financeiro/político) sempre obtinha vantagem, o que não resolvia os conflitos.

DIREITO DE AÇÃO/ INTERVENÇÃO DO ESTADO

Como preleciona Luiz Régis Prado, o direito de Ação tem origem no momento em que o Estado tomou para si o monopólio do jus puniendi (direito de punir), como uma forma de resguardar a sociedade dela mesma, afastando a prática da justiça privada; hoje, tipificado como “exercício arbitrário das próprias razões” - artigo 345 do Código Penal.

Assim, o homem trocou o direito de vingar-se pessoalmente e, com a tutela estatal, surge o direito de ação. O direito de ação pode ser definido como o direito subjetivo público do individuo de exigir do Estado a prestação jurisdicional. O exercício do direito de ação, que implica na prestação jurisdicional do Estado, se dá através do processo, que é o instrumento moderno de resolução de conflitos de interesses.

Segundo Cezar Roberto Bittencourt, ação penal é o direito de invocar a prestação jurisdicional, ou seja, o direito de requerer em juízo a reparação de um direito violado. Mais do que um direito, o exercício do direito de ação assegura princípios constitucionais; esculpido também no ordenamento jurídico da maioria dos países democráticos modernos.

Na Constituição Federal de 1998, o direito de ação encontra fundamentos no artigo 5°, inciso LIV: da Constituição Brasileira: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Observe que a Constituição Federal tutela o direito à ação em dois momentos distintos: quando há a lesão e, quando há a possibilidade de lesão, portanto, não se vincula à concretização de um dano ou a uma sentença que efetivamente confirme o dano. Esta característica é relevante para a compreensão das teorias que procuram explicar a natureza jurídica da ação.

TEORIAS:
Das teorias que procuraram definir a natureza jurídica da ação, destacam-se: a) Teoria Civilista (ou Imanentista); b) Teoria Concreta da Ação; c) Teoria do Direito Potestativo de Agir; d) Teoria Abstrata da Ação; e) a Teoria Eclética:
a) Teoria Civilista ou Imanentista[1]: proveniente do direito civil: a ação é inerente (o mesmo que imanentista) ao próprio direito material (aquele direito para o qual se busca proteção em juízo), ou seja, a ação é o instrumento pelo qual o direito material se manifesta em juízo. De sorte que, nesse raciocínio, a ação não é autônoma ao direito material, apesar de distinta.

b) Teoria Concreta da Ação: Para esta teoria, diferentemente da civilista, a ação é autônoma do direito material, início do pensamento defendido por todas as teorias subseqüentes. Para esta, a ação é autônoma, porém, acessória ao direito material, ou seja, partindo-se do princípio de que o acessório segue o principal, a ação somente existe se existir o direito material. Para que haja ação, necessariamente há de se existir um direito que se busque proteger. Todavia, a existência do direito dependerá, necessariamente, de uma sentença favorável observada no caso concreto.
c) Teoria do Direito Potestativo de Agir: Desenvolvida por Chiovenda, reporta à idéia de que a ação só existe caso também exista o direito material, assim como na teoria concretista, portanto para que haja direito de ação deve haver uma sentença favorável. Esta teoria distinguiu o direito subjetivo do direito potestativo, como o é o direito de ação. No entanto, cabe neste momento compreender que, para tal teoria, ao direito de ação do ofendido corresponde uma submissão do ofensor. Para Chiovenda, a ação é algo ligado ao direito material e ao direito privado, o que não é aceitável ainda mais quando se diz que a ação é direito subjetivo público, como já anteriormente exposto.
d) Teoria Abstrata da Ação: Defendida por Carnelluti, dentre outros doutrinadores, é oposta à teoria concreta; entende que o direito de ação é de todos – e não somente daquele que tem efetivamente o direito material -, é um direito abstrato de se obter a prestação jurisdicional, mesmo que não exista o direito material. Nesse entendimento, Paulo Rangel afirma que a ação é o [...] direito que serve de instrumento para se exigir do Estado à prestação jurisdicional, independentemente da existência ou não do direito material que irá se discutir em juízo. [...]. e) Teoria Eclética - dominante entre os juristas brasileiros, foi criada por Enrico Túlio Liebman. Derivada da teoria abstrata – seu fundamento é: o direito à ação existe ainda que não se tenha o direito material. Apesar disso, Liebman entende que o juiz deve analisar as condições da ação, que são requisitos de existência do direito de ação, e, somente com o preenchimento de todos os requisitos é que tal direito existe. Por exemplo: a existência do direito de ação está condicionada a presença de requisitos que o determinam, e em seqüência é que o juiz passa a analisar o direito material. Não preenchida qualquer das condições, o juiz não entra na discussão do direito material, e o processo é extinto sem julgamento do mérito; conforme artigo 267, , inciso VI, do Código de Processo Civi: “quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual, o processo será extinto. Para Liebman, a ação é o direito a um pronunciamento, seja ele favorável ou não, mas somente se efetivará se preencher requisitos determinados em lei, que revelam haver ou não legítimo exercício deste direito, caso contrário há carência de ação.

Ensina Rogério Greco: “Para que o Estado possa conhecer e julgar a pretensão deduzida em juízo, será preciso que aquele que invoca o seu direito subjetivo à tutela jurisdicional preencha determinadas condições, sem as quais a ação se reconhecerá natimorta, ou seja, embora já exercitada, não conseguirá alcançar a sua finalidade, pois que perecerá logo após o seu exercício”.
O inciso III do art. 43 do Código Penal diz que a denúncia ou queixa será rejeitada quando for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

A priori, deve-se reportar à idéia de que, essencialmente, a ação tem natureza pública; tem natureza processual, uma vez que seu fim é o processo, e, consequentemente, a satisfação da prestação jurisdicional; é direito abstrato, porque se cuida de analisar questões ainda que se tenha ou não o direito material, que é a razão naquilo que se pleiteia; todavia, somente se efetiva mediante a legitimidade em seu exercício, conforme dito.

PROCEDIMENTO CRIMINAL BRASILEIRO:
O procedimento criminal brasileiro é dividido em duas fases; a esse conjunto dá-se o nome de persecução penal. A primeira fase, a administrativa: inquérito policial; a segunda fase inicia-se com a ação penal, que se desenvolve apenas em juízo.



CLASSIFICAÇÃO DA AÇÃO PENAL:
Divide-se a ação penal em duas espécies: ação penal pública e ação penal privada.
A ação penal pública se inicia por meio da denúncia. Da mesma forma que uma ação cível se inicia pela petição inicial.

A denúncia é uma peça processual que contém a narração do fato criminoso, a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas. Tais requisitos são essenciais para que o acusado possa exercer seus direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório. A falta da narração do fato criminoso, por exemplo, acarreta a inépcia da denúncia.

O titular da ação penal pública é o Ministério Público. O MP é o órgão estatal que busca materializar a pretensão punitiva do Estado; além disso, mais que um simples veículo de acusação, o Ministério Público é um órgão que zela pela observância da lei durante todas as etapas do processo.

O MP, no que tange à ação penal pública, é regido por alguns princípios. Pelo princípio da obrigatoriedade, tem-se que, existindo nos autos elementos que indiquem a ocorrência de um fato típico e ilícito, o parquet deve mover a ação penal pública. Não existe discricionariedade nessa decisão.

Ressalte-se que, se o MP não ficar convencido da materialidade do crime, ou entender que não existem indícios suficientes de autoria, não existe a obrigação de denunciar. Podem ser requeridas, por exemplo, diligências complementares à autoridade policial, que visam formar o convencimento do parquet acerca da utilidade e necessidade de instauração de uma ação penal.

Caso o Ministério Público conclua de forma definitiva pela ausência dos requisitos mencionados acima, requererá o arquivamento do inquérito policial. Se o juiz não concordar com o arquivamento, ele não poderá iniciar a ação penal pública, visto que não possui a titularidade da mesma. Logo, havendo discordância, o magistrado oficia e remete os autos ao chefe da Instituição. Caso esse último também entenda pelo arquivamento, o inquérito policial será arquivado.

Uma vez proposta a ação, o MP não pode dela desistir. Trata-se do princípio da indesistibilidade.
Na ação penal pública incondicionada o Ministério Público não necessita de qualquer autorização ou manifestação de vontade, de quem quer que seja, para que a ação seja iniciada. Caracterizado em tese o crime, o MP já é livre para propor a ação penal.

Assim, o fato da vítima porventura perdoar o seu ofensor é irrelevante. O MP prosseguirá com a ação penal à revelia da vontade da vítima.

A ação penal pública incondicionada é a regra dentro da sistemática penal brasileira. Caso a norma silencie acerca da espécie de ação penal cabível para o delito, a ação será sempre pública incondicionada. As demais espécies de ação, pública ou privada, são exceções, devendo, portanto, vir sempre expressas na lei.

Existem situações em que o Estado entende que os efeitos do delito são mais gravosos para o ofendido do que para a ordem social como um todo. Em tais situações, o Ministério Público continuará sendo o titular da ação penal. Todavia, para que tal ação seja iniciada, exige-se uma condição de procedibilidade, sem a qual a demanda não poderá ser instaurada: a representação. Trata-se, nesta situação, ainda de ação penal pública, todavia, condicionada à representação do ofendido.

A representação é uma manifestação de vontade do ofendido, em que o mesmo demonstra seu interesse em ver processado o seu ofensor. Tal manifestação de vontade pode se dar por petição ou de forma oral, caso em que a mesma é reduzida a termo.

A representação é ato que admite retratação. Contudo, tal retratação só pode ocorrer até que haja o oferecimento da denúncia. Oferecida a denúncia, o Ministério Público promoverá a ação penal até o seu termo, independente da vontade da vítima, mesmo que essa venha a se arrepender posteriormente.

A possibilidade de representação está submetida a um limite temporal. O ofendido possuí 06 (seis) meses a contar da data do conhecimento da autoria do fato, para representar em face do ofensor. A natureza de tal prazo é decadencial, sendo que após seu esgotamento extingue-se a possibilidade de representação.

Há uma outra hipótese de ação penal pública condicionada dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se da requisição do Ministro da Justiça, prevista para casos excepcionais, como os crimes praticados contra a honra do presidente e os crimes praticados por estrangeiros contra brasileiros fora do Brasil.

A requisição do Ministro da Justiça constitui um verdadeiro juízo político. Analisando a ordem social, nacional e internacional, a gravidade do delito e o peso das conseqüências da ação penal, o Ministro decide ou não fazer a requisição; não há prazo decadencial para que seja feita a requisição.

Ação penal privada: O titular da ação penal privada é o próprio particular ofendido. Está prevista para os casos em que o interesse do particular em relação ao delito supera o interesse estatal. São basicamente duas situações em que isso acontece: o bem jurídico ofendido tem cunho essencialmente particular (ex: crimes contra a honra); ou as conseqüências de uma instrução criminal podem ser tão danosas para a vítima que a mesma prefere deixar de processar o ofensor (ex: estupro).

A ação penal privada se inicia mediante queixa. A queixa está para a ação penal privada assim como a denúncia está para a ação penal pública. Assim, a queixa não se confunde com a notícia crime realizada na polícia, popularmente e equivocadamente conhecida como "queixa".

O prazo para a que seja proposta a queixa é de 6 (seis) meses, sendo tal prazo decadencial. O próprio ofendido, e não o Ministério Público, é quem será parte no processo, cumprindo todas as diligências ordenadas pelo juiz. Para tanto, é necessário que a parte esteja representada por advogado.

Ao contrário do que ocorre na ação penal pública, o particular pode renunciar ao direito de queixa. Essa renúncia ocorre antes de ser promovida a ação privada.
Ação Penal Privada Subsidiária da Pública: Constitui uma situação excepcional, que se verifica a partir da inércia do Ministério Público. Escoado o prazo para oferecimento de denúncia, para réu preso ou solto, sem qualquer atividade ministerial, haverá a possibilidade do próprio ofendido propor a ação penal em hipóteses em que a ação penal seria a princípio pública. Daí falar-se em ação penal privada subsidiária da pública.

Ressalte-se que a ação penal não perde sua natureza de pública em virtude da substituição. O querelante não poderá dispor da mesma, através da renúncia ou do perdão. A perempção também não poderá ser verificada, ao contrário do que ocorre na ação penal privada de iniciativa exclusiva da vítima.

A inércia se verifica apenas quando, aberta a vista para o MP, o mesmo não denuncia, não requer diligências e nem pede o arquivamento do feito. Assim, o pedido de arquivamento do inquérito policial, por falta de indícios de autoria ou prova da materialidade do crime, não configura a inércia, não sendo possível a ação penal privada subsidiária da pública.
O artigo 29 do CPP dispõe que, iniciada a ação penal privada subsidiária da pública, o parquet poderá aditar a queixa, repudiá-la, oferecer denúncia substitutiva, intervir no processo, retomar a ação como parte principal, etc.

Ação Penal Personalíssima: A doutrina usualmente classificava dois delitos do Código Penal como sendo de ação penal privada personalíssima. Entretanto, após a revogação do crime de adultério, tem-se que apenas o delito de induzimento a erro essencial, previsto no artigo 236 do CP, é considerado de ação penal privada personalíssima. A doutrina entende que tal delito é de ação penal personalíssima em virtude da impossibilidade sucessória no pólo ativo da lide.

LEITURA COMPLEMENTAR

Lei da violência contra a mulher: renúncia e representação da vítima



Luiz Flávio Gomes: Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina) - Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais www.lfg.com.br
Alice Bianchini: Doutora em Direito Penal pela PUCSP, mestre em Direito pela UFSC, diretora do IPAN Instituto Panamericano de Política Criminal, consultora e parecerista e coordenadora dos Cursos de Especialização Telepresenciais e Virtuais da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.

Nos termos do art. 16 da Lei 11.340/2006 (lei da violência contra a mulher), “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.
Muitas são as hipóteses de ação penal pública condicionada à representação (ameaça, crimes contra a honra, crimes sexuais quando a vítima for pobre etc.). Em todas essas situações, quando a vítima for a ofendida de que trata a Lei 11.340/2006 (mulher na ambiência doméstica, familiar ou íntima), sua renúncia à representação só pode ser admitida perante o juiz, em audiência especialmente designada para esse fim.
Renúncia significa abdicação do direito de representar. Nosso CPP só prevê renúncia em relação ao direito de queixa (ação penal privada). Mas desde a lei dos juizados criminais (Lei 9.099/1995) já não se questiona que também pode haver renúncia em relação ao direito de representação. Renúncia é ato unilateral que ocorre antes do oferecimento da representação. Depois que esta já foi oferecida só cabe retratação. O art. 16, como se vê, só fez referência à renúncia. Logo, o intérprete não pode aí incluir a retratação, que é juridicamente possível até o oferecimento da denúncia (CPP, art. 25).
Eventual analogia (para alcançar também a retratação) seria in malam partem (contra o réu). Considerando-se os inequívocos reflexos penais (aliás, reflexos penais imediatos, não remotos) da retratação da representação (visto que ela pode conduzir à decadência desse direito, que é causa extintiva da punibilidade nos termos do art. 107, IV, do CP), não há como admitir referida analogia. As normas genuinamente processuais admitem amplamente analogia (CPP, art. 3.º), mas quando possuem reflexos penais imediatos (ou seja: quando estamos diante de normas processuais materiais), elas contam com a mesma natureza jurídica das normas penais.
A renúncia pode ser expressa (renúncia por escrito) ou tácita (prática de ato incompatível com a vontade de processar CP, art. 104). Em se tratando de crime que tenha como vítima a mulher de que cuida a Lei 11.340/2006 (mulher em ambiência doméstica, familiar ou íntima), essa renúncia só pode ocorrer perante juiz, ouvido o Ministério Público. Por força do princípio da tipicidade das formas dos atos, cada ato possui a sua. A nova lei prescreveu a forma da renúncia de que estamos cuidando. A validade desse ato, portanto, está condicionada ao que ficou escrito no art. 16. A sua inobservância (renúncia feita de outra maneira) conduz à nulidade do ato (que não produz nenhuma eficácia).
O citado art. 16, de modo incompreensível, diz que a audiência (designada para que a vítima manifeste sua renúncia) deve ser realizada “antes do recebimento da denúncia” (sic). Nesse ponto, salvo melhor juízo, o legislador escreveu palavras inúteis. Se a renúncia só pode ocorrer antes do oferecimento da representação e se o Ministério Público antes dessa manifestação de vontade da vítima não pode oferecer denúncia, parece evidente que a lei não poderia ter feito qualquer menção ao “recebimento da denúncia”.
Art. 41 da nova lei: dentre todos os delitos que, no Brasil, admitem representação acham-se a lesão corporal culposa e a lesão corporal (dolosa) simples. Nessas duas hipóteses a exigência de representação (que é condição específica de procedibilidade) vem contemplada no art. 88 da Lei 9.099/1995 (lei dos juizados especiais). Esse dispositivo não foi revogado, sim, apenas derrogado (ele não se aplicará mais em relação à mulher de que trata a Lei 11.340/2006 em ambiência doméstica, familiar ou íntima). Note-se que o referido art. 88 só fala em lesão culposa ou dolosa simples. Logo, nunca ninguém questionou que a lesão corporal dolosa grave ou gravíssima (CP, art. 129, § 1.º e 2.º) sempre integrou o grupo da ação penal pública incondicionada.
Considerando-se o disposto no art. 41 da nova lei, que determinou que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/1995”, já não se pode falar em representação quando a lesão corporal culposa ou dolosa simples atinge a mulher que se encontra na situação da Lei 11.340/2006 (ou seja: numa ambiência doméstica, familiar ou íntima) (nesse sentido cf. também: José Luiz Joveli; em sentido contrário: Fernando Célio de Brito Nogueira).
Nesses crimes, portanto, cometidos pelo marido contra a mulher, pelo filho contra a mãe, pelo empregador contra a empregada doméstica etc., não se pode mais falar em representação, isto é, a ação penal transformou-se em pública incondicionada (o que conduz à instauração de inquérito policial, denúncia, devido processo contraditório, provas, sentença, duplo grau de jurisdição etc.). Esse ponto, sendo desfavorável ao acusado, não pode retroagir (isto é: não alcança os crimes ocorridos antes do dia 22.09.06).
Não existe nenhuma incompatibilidade, de outro lado, entre o art. 41 e o art. 16. O primeiro excluiu a representação nos delitos de lesão corporal culposo e lesão simples. No segundo existe expressa referência à representação da mulher. Mas é evidente que esse ato só tem pertinência em relação a outros crimes (ameaça, crimes contra a honra da mulher, contra sua liberdade sexual quando ela for pobre etc.). Aliás, nesses outros crimes, a autoridade policial vai colher a representação da mulher (quando ela desejar manifestar sua vontade) logo no limiar do inquérito policial (art. 12, I, da Lei 11.340/2006).
Identificação criminal do indiciado: por força do art. 12, VI, da Lei 11.340/2006, deve a autoridade policial, quando instaurado inquérito e desde que haja fumus delicti, “ordenar a identificação do agressor”. Leitura rápida desse dispositivo sinalizaria mais uma hipótese “obrigatória” de identificação criminal (CPP, art. 6.º, VIII), na linha do que já ficou estabelecido no art. 3.º da Lei 10.054/2000. Ocorre que toda interpretação não é só texto, sim contexto. Justifica-se a identificação criminal (dactiloscópica e fotográfica) em situações de dúvida ou quando o agente não conta com identificação civil (não conta com cédula de identidade). Logo, quando o agente apresenta esta última e não paira nenhuma dúvida razoável sobre sua individualidade, falta razoabilidade para a exigência da identificação criminal, que passa a ter cunho puramente simbólico e punitivo. Pior: punitivismo inútil (porque, em relação a quem já é civilmente e indiscutivelmente identificado, absolutamente nada acrescenta a identificação criminal). Aquilo que nada representa de útil para o Estado e, ao mesmo tempo, constitui um deplorável constrangimento para o sujeito, traz em seu bojo o total desequilíbrio exigido na relação entre custo e benefício: é nisso que reside a falta de razoabilidade da exigência (abusiva) da identificação criminal.


[1] Imanente, do Latim immanente. Adjetivo de gênero: que reside na própria essência do todo; que persiste; permanente; perdurável.

2 comentários:

  1. Boa tarde,Eliete

    A senhora já sabe alguma coisa da agenda do Júri Popular em Brasília.

    Att: Julyana Botelho

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  2. Ensina Rogério Greco: “Para que o Estado possa conhecer e julgar a pretensão deduzida em juízo, será preciso que aquele que invoca o seu direito subjetivo à tutela jurisdicional preencha determinadas condições, sem as quais a ação se reconhecerá natimorta, ou seja, embora já exercitada, não conseguirá alcançar a sua finalidade, pois que perecerá logo após o seu exercício”.
    O inciso III do art. 43 do Código Penal diz que a denúncia ou queixa será rejeitada quando for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.



    Olá Profª, esse inciso III do art. 43 do CPB foi (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)

    E também do CPP o inciso III e art. 43

    (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008).

    Esse do CPP que fala da queixa não é? com o título de ação penal ( título III ), o mesmo art e inciso do CPB fala de pena restritiva,

    Como seria essa distinção dos dois códigos nessa passagem ? pois vejo a relação de ação penal no CPP...

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